segunda-feira, abril 28, 2008

História e histórias - Por Reinaldo Azevedo

No que concerne ao anticlericalismo, somos todos filhos da Revolução Francesa, mais particularmente do jacobinismo. Dica aos estudantes que quiserem comprar uma boa briga em sala de aula — tomando cuidado: petralha é rancoroso e pode usar a nota (a avaliação) como instrumento de punição e tortura psicológica. Sempre que o esquerdofrênico começar a babar seu ódio contra a Igreja Católica por causa das “torturas da Inquisição”, cabe ao bom estudante indagar:
- Professor(a), não havia tortura antes da Inquisição?
- Professor(a), governos laicos também torturavam?
- Professor(a), o mundo antes da Igreja Católica era melhor e mais justo?
- Professor(a), se o cristianismo era tão mau, por que começou como uma religião dos pobres e de resistência (se ele negar, você escreve pro Tio Rei, que vai socorrê-lo com bibliografia)?

Sou eu um relativista, como acusa um leitor (que me pede mais delicadeza com Marilena Chaui, por exemplo)? Não. Nem revisionista. Acho que a Igreja tem de arcar com seus excessos (ver abaixo). Mas o fato é que a Inquisição tinha mais critério e cuidados do que os governos laicos em seus interrogatórios. A Inquisição ibérica, especialmente a espanhola, fugiu ao controle de Roma. Ainda assim, documentação do Vaticano — que se desculpou — dá conta de que, em 125 mil processos, menos de 2% dos acusados foram condenados à morte. Em seis séculos! Fidel e o Porco Fedorento fizeram mais do que isso em mortos logo no primeiro ano da revolução cubana.

Não estou estabelecendo uma hierarquia de assassinatos. Só estou dizendo que é preciso ver a coisa em seu tempo. Isso não é relativismo. É história. Ou, agora, chamaremos de “injusta” a democracia grega porque excluía as mulheres, os escravos e os pobres? E a ação da Igreja Católica tem de se vista à luz do que era a cultura política e jurídica do seu tempo. Assim como se deve fazer a mesma coisa com o comunismo. E, então, cumpre indagar: quem sai perdendo?

Vamos perguntar ainda ao professor petralha:
- As alternativas à Igreja Católica, no seu tempo, eram melhores ou piores? Um mínimo de honestidade intelectual demonstrará que eram piores.
- E ao comunismo? Havia uma alternativa melhor — do ponto de vista do bem-estar e das liberdades (e que não fosse o fascismo)? Havia.
- E ao fascismo? Havia uma alternativa melhor — do ponto de vista do bem-estar e das liberdades (e que não fosse o comunismo)? Havia.

Comunismo e fascismo são erupções reacionárias — eles, sim — do processo político. Pela simples e óbvia razão de que o Ocidente já havia produzido algo melhor do que aquilo. Um bom exemplo da estupidez nazista, como sabem, é Mengele. A ciência desautorizava sua “ciência”. Ele não era um ousado, um iconoclasta. Era apenas um tarado moral que vivia sob a proteção do poder absoluto. Sempre tomando os chamados “direitos humanos” como referência, pergunta-se: um inquisidor dos séculos 15, 16 ou 17 tinha de seus “crimes” a mesma consciência que tinham de seus respectivos um Stálin ou um Hitler? Não! E a razão é simples: “direitos humanos” também são humanas construções. O estoque de pensamento, nessa área, era muito maior, mais rico e mais variado no tempo em que viveram os dois ditadores do que naquele vivido pelos inquisidores.

“Sei, Reinaldo, então a Igreja Católica está livre de pecados!?”. Não! Não darei a ela o benefício que os próprios papas, ao longo do tempo, não deram. Só que é preciso saber também quem acusa, não é? Acabei de ler, por razões profissionais, uns tantos livros de história. Os professores estão dizendo aos alunos, por exemplo, que, da Revolução Francesa, restou o ideal de “liberdade, igualdade e fraternidade”. E, da Igreja, a Inquisição. Trata-se de uma falácia gigantesca. E o Terror jacobino? E as execuções sumárias praticadas inclusive por seus próprios pares? E o Império Romano pré-cristão?

Leiam, a propósito, reportagem de 2004, de Verity Murphy, da BBC:

Segundo o relatório de 800 páginas, a Inquisição, que espalhou temor na Europa durante a Idade Média, não praticou tantas execuções ou tortura como dizem os livros de história.

O editor do novo livro, professor Agostino Borromeo, sustenta que, na Espanha, apenas 1,8% dos investigados pela Inquisição espanhola foram mortos. Apesar disso, o papa João Paulo 2º novamente pediu desculpas pelos excessos dos interrogadores, expressando pesar por "erros cometidos a serviço da verdade por meio do recurso a métodos não-cristãos".

O papa, porém, não ultrapassou a regra da igreja segundo a qual os pontífices não criticam os seus predecessores. O papa Gregório 9, que criou a Inquisição em 1233 para combater a heresia (a negação da verdade da fé católica), não foi mencionado no comunicado.

Hereges

Após a consolidação do poder na Europa da Igreja Católica Romana, nos séculos 12 e 13, ela estabeleceu a Inquisição para assegurar que os hereges não minassem a sua autoridade. O sistema tomou a forma de uma rede de tribunais eclesiásticos com juízes e investigadores. As punições aos condenados variavam de visitas forçadas à igreja ou fazer peregrinações até a prisão perpétua ou execução na fogueira. A Inquisição estimulava delações, e os acusados não tinham o direito de questionar a pessoa que o havia acusado de heresia.

Ela atingiu o seu pico no século 16, quando a igreja enfrentava a reforma protestante. Seu julgamento mais famoso aconteceu em 1633, quando Galileu foi condenado por postular que a Terra girava ao redor do Sol. A Inquisição espanhola, que se tornou independente do Vaticano no século 15, praticou os abusos mais extremos, sobretudo com o uso dos autos da fé, em que matavam os condenados em fogueiras públicas.

Seus representantes torturavam as vítimas, realizavam julgamentos sumários, forçavam conversões e aprovavam sentenças de morte. "Não há dúvidas de que, no começo, os procedimentos planejados foram aplicados com rigor excessivo, que em alguns casos foram degenerados e se tornaram verdadeiros abusos", diz o novo estudo do Vaticano. Mas o relatório, preparado ao longo de seis anos, argumenta que a Inquisição não foi tão má como se costumava crer.

'Bonecos no fogo'
Borromeo cita como exemplo que, de 125 mil julgamentos de suspeitos de heresia na Espanha, menos de 2% foram executados. Ele afirma que muitas vezes bonecos eram queimados para representar aqueles que foram condenados à revelia. E que bruxas e hereges que demonstravam arrependimento no último minuto recebiam algum tipo de alívio para a dor quando eram estrangulados antes de serem queimados.

Para aqueles que possuem ligação com as vítimas da Inquisição, porém, a declaração do Vaticano de que ela não era tão má quanto se dizia tem pouca importância. Os valdesianos, membros de uma seita protestante declarada herege no século 12, estavam entre as vítimas da Inquisição. "Não importa se há muitos ou poucos casos. O que é importante é que você não pode dizer: 'Estou certo, você está errado, e eu vou te queimar'", disse Thomas Noffke, um pastor valdesiano americano que vive em Roma. Ainda segundo o novo relatório, no auge da Inquisição a Alemanha matou mais bruxas e bruxos que em qualquer outro lugar, cerca de 25 mil.

Civilização, barbárie e relativismo: conteste seu professor petralha! - Por Reinaldo Azevedo

Sempre que se apontam os crimes da esquerda, passados e presentes, lá vêm os neo-relativistas (que nada têm de “neo”, uma vez que defendem algo bem antigo) com a sua ladainha:
- “E o que dizer da história da Igreja Católica?
- “E o que dizer do capitalismo?
- “E o que dizer da colonização da América” (como sabem, um neo-relativista pensa que é índio)?

Nas universidades brasileiras, jovens são verdadeiramente molestados por esse tipo de abordagem de seus professores petralhas. Os estudantes pressentem que o vagabundo está disposto a justificar os crimes da esquerda, mas, muitas vezes, por falta de experiência política, falta-lhes uma boa resposta. Afinal, estão lidando com especialistas em farsa. Vamos enfrentá-los.

Peguemos o caso da Igreja. Sua história sempre foi meritória? Ah, evidentemente não. O papa Bento 16 é o primeiro, em ordem de importância na fé que professa, a reconhecê-lo. A trajetória do capitalismo também não é uma coleção só de virtudes. Mas esperem: com que olhos se quer ver o passado? À luz do que sabemos hoje ou do que se sabia então? E os jesuítas? Só fizeram um bem à América? Quem está perguntando? Um herdeiro dos tupis ou um da cultura ocidental? No segundo caso, a resposta é “sim”.

Recomendo, com entusiasmo, que vocês comprem ou aluguem a série Roma, uma formidável reconstituição de época. Ganhei de presente todos os DVDs e os vi com grande interesse. Não chegam a ser uma alternativa a Edward Gibbon ou a Suetônio, mas contribuem para educar a percepção: vê-se a história segundo o seu tempo, não com os olhos judiciosos de quem emprega critérios contemporâneos para analisar o passado.

No caso dos jesuítas, então, o debate pode ser ainda mais interessante. É farta a bibliografia demonstrando que o alcance humanista (mesmo para a época) de sua pregação era superior àquele da colonização em sua dimensão puramente econômica. Basta ler Padre Vieira. Ainda assim, que se observe: ver um senhor do engenho do século 17 com os mesmos olhos de censura com que, justamente, vemos hoje um explorador de trabalho escravo não é humanismo, mas estupidez.

Voltemos à esquerda. Dá para perdoar o comunismo trazendo para a arena do debate outras experiências históricas, de sorte que ou condenamos tudo ou absolvemos tudo? Fosse eu um comunista, recomendaria que não se fizesse isso. Porque aí seria pior. Para um comunista, melhor é ficar com Lênin, um imoralista muito pouco preocupado com o que a humanidade havia produzido na cultura até então. Melhor ser um intelectual bárbaro do que idiota.

A esquerda intelectual privatiza as palavras. É o caso de “reacionário”, sinônimo de tudo o que há de ruim, atrasado, passadista. A “direita” seria, assim, “reacionária”. Eu não ligo que me chamem de reacionário. Mas sei que não sou. Se olho a trajetória da história humana, entendo que seu aspecto mais virtuoso é a liberdade individual. Não é por acaso que a pedra de toque das democracias é o “habeas corpus”, o “seja dono do teu corpo”. Ele é o reconhecimento, no terreno jurídico, da existência do indivíduo. Observem: quando se instala uma ditadura, qual é a primeira providência dos gorilas? Justamente a suspensão do habeas corpus, que nunca valeu nos países comunistas. Afinal, o corpo individual não existe; só o do estado.

Por que o comunismo é nefasto, entre tantos outros defeitos? Porque despreza, ignora ou esmaga as conquistas da civilização. Ele, sim, é genuinamente reacionário. Faz a história humana caminhar para trás. Pegue-se o caso da União Soviética. Em três décadas de consolidação do socialismo, matou-se mais gente do que o que se conhecia da sangrenta história russa (para ficar na república mais importante) até ali. E por quê? Para se construir qual homem?

Para se construir homem nenhum, uma vez que o indivíduo não existia. O jesuitismo, acreditem, era um avanço no seu tempo: incorporava o humanismo judaico-cristão, uma novidade para os povos que viviam sob o ditadura da natureza. E certamente colaborou para algumas tantas injustiças. Mas era “progressista”. Trata-se de uma visão canhestra, pobremente marxista, supor que ele era apenas a superestrutura ideológica da colonização. Não era. Os jesuítas foram até o limite do que a cultura cristã havia produzido até ali, inclusive opondo-se à escravidão — até o limite, claro, do que permitia o estado. Quando ultrapassaram esse limite, foram expulsos do Brasil.

A pergunta que vocês têm de fazer aos entusiastas da esquerda, aos amantes do relativismo, a seus professores esquerdopatas e a eventuais fãs da União Soviética é a que segue: o que foi que os comunistas fizeram do estoque que já conhecíamos de liberdades públicas, de liberdades individuas, de tolerância, de convivência com a diferença? Eu respondo: eles o massacraram; preferiram o totalitarismo, pressuposto da “ditadura do proletariado”. Nesse particular (e em muitos outros), não se distingue no nazifascismo.

Cretinos me escrevem, por exemplo, afirmando que Edir Macedo nada mais faz do que repetir o que a Igreja Católica fez no passado. Trata-se de mentira, de ignorância histórica, de falta de leitura. Mas nem vou me dedicar a isso agora. Prefiro fazer uma pergunta: ainda que fosse verdade, caberia reeditar supostas práticas superadas há séculos?

A verdade insofismável é que REACIONÁRIA é a esquerda. Em nome de um suposto futuro, ela despreza a maior de todas as conquistas do homem: a liberdade de consciência. Observem que esta história de que, no fundo, tudo é a mesma coisa nunca serve para elogiar a democracia e sempre é útil para fazer a apologia do comunismo, das esquerdas e do crime em nome de uma causa.

A tese, em suma, de que o crime é uma constante na história humana nunca serve aos inocentes e sempre busca aliviar as costas dos culpados. O comunismo jogou no lixo cinco séculos de cultura humanista e, ainda hoje, se manifesta em metástases. Pauta a ignorância engajada no Capão Redondo e nas redações. Prometeu uma nova civilização. Como deu com os burros n’água, contenta-se em glorificar a barbárie. Quem diria! Um relativista é sempre um absolutista: do crime!